Contos e Descontos da Vida na Terra Estranha...
Algures na Europa existe um pequeno país, um reduto irredutível, que resiste orgulhosamente à invasão do Desenvolvimento Económico e Social...
Sinceramente, é das poucas épocas do ano em que vejo as pessoas minimamente preocupadas em pensar além do próprio umbigo.
Há quem diga que “o Natal deve ser todos os dias”, que “esta época é uma hipocrisia”, que “é um desperdício”, etc, etc, já conhecemos todas estas expressões e mais algumas.
Não deixa de ser verdade e de terem a sua razão, eu concordo.
Infelizmente, a realidade é outra e só nesta altura do ano é que se regista um maior número de actos humanos, as pessoas são mais simpáticas umas com as outras, até pensam umas nas outras e realizam algumas boas acções.
É pena o resto do ano não ser assim, mas mais vale ser uma vez no ano do que nenhuma. Só por isso vale a pena gozar esta época tão especial e aproveitar o seu espírito.
Por isso gosto desta época.
Seja ou não tudo falso, pelo menos, como se costuma dizer, “vale a intenção” e, nos dias que correm, já é muito.
Bem-vindo a este espaço, onde nada é o que é, nem o que aparenta ser o é.
Meras suposições ou opiniões de quem tudo sabe, mas, na realidade, nada sabe.
Pois é, hoje resolvi quebrar as barreiras do socialmente correcto, colocar o “dedo na ferida”, fazer uma provocação.
E não, não vou falar de política, nem da crise, nem da roubalheira nacional. Mas sim de como nos relacionamo-nos na Terra Estranha.
Aparentemente, vivemos e convivemos, circulamos e movemo-nos, avaliamos e relacionamo-nos em sociedade e na sociedade, com sólidos pressupostos baseados em...
Aparências!
Todo gira à volta do que superficialmente conhecemos, seja no mundo do trabalho seja no mundo das relações pessoais.
Podemos passar fome, mas temos o telemóvel de última geração e a TV LCD HD Turbo Sound, de 555 canais (que não vemos), e o popó de wv/wmb/suxel com tracção às 5 rodas, que gasta 25 L aos 100, na garagem.
Se olharmos com alguma atenção, não é preciso muita, invariavelmente, nas grandes tertúlias da actualidade, as conversas giram em torno de elevados conceitos como, por exemplo:
O restaurante “vomitatudojá” mais IN que aparece na revista do Jornal Expresso (bolas! estou a fazer publicidade de borla), que serve palitos e copos de água à descrição, tudo pela módica quantia de 250€ por cabeça e quem não foi lá é automaticamente marginalizado, estigmatizado, vulgarizado...vulgo: não pertence ao “grupo””.
Ou o esplêndido fim-de-semana em hotel de 26 estrelas, mas com SPA na cama, campo de golfe na banheira e jacuzzi de bidé (também chamado banho checo, há muita gente que não sabe para que é que isso serve), tudo pago plasticamente em 393 suaves prestações a juros Hercúleos que ficam lindamente na “Foto Social”- mas em casa: “Papas Cerelac” (mais pub de borla, hoje estou um mãos largas).
Ou a roupinha inamra/ssob/tnag, ainda a cheirar a naftalina, que é apanágio destes encontros, e na marca de relógios mais a condizer com os óculos de sol KC/AG/GAT, mas aí de quem apareça sem esses acessórios...
Já me esquecia, essas tertúlias só ficam completas com observações profundas e intransigentes, regadas com elevadas doses de asco e maldizer, sobre essa abominação social:
Os Pobres!
Arg!
Ainda por cima, essa gentinha tem a mania de que pode fazer o mesmo que as outras pessoas – onde é que já se viu! Comprar PSP’s, telemóveis, Plasmas’s? – Era só o que faltava! Até parece que são gente!
Ops, por lapso ia-me esquecendo de referir uma outra classe social tão ou mais importante nestas sessões:
Os Funcionários Públicos!
Não há soirrrrré que se preze sem alusões particularmente difamatórias a esses verdadeiros Xulos e grandes culpados de tudo o que acontece (mas tudo mesmo: Parti um copo! A culpa é da função pública, se eles não existissem já não partia o copo), que não fazem nada e só querem direitos – Vão trabalhar!
Importante, também, é dizermos que trabalhamos 35 horas por dia, que recebemos 3650 e-mails (mesmo que sejam só de pornografia ou de anedotas) por hora e que somos responsáveis por tudo o que se passa de bom na empresa. Se houver algo errado, a culpa é sempre de outro palhaço, que não percebe nada de nada, ou do Governo.
Agora sim, está completo.
Obviamente, quem ousar a dar uma opinião pessoal ou envidar por reflexões profundas sobre ideologias ou, pecado dos pecados, assumir dificuldades financeiras – É literalmente ostracizado de toda e qualquer pseudo-socialite (hoje todos querem ser considerados uma socialite ou grupelho diferente, mas em tudo igual, dos outros) da Terra Estranha.
Ou seja, não somos reconhecidos, respeitados ou amados por aquilo que intrinsecamente somos, mas pelo que Aparentemente Aparentamos.
Que Nojo!
A sociedade LemonBrothiana não se compadece dos “fracos” ou “necessitados”, nem dos “intelectualoídes” nem dos “ambientalistas” (morte a esses gajos todos). Ou seja, todo aquele que manifeste expressões ou opiniões minimamente humanistas ou humanitárias é claramente a abater – O mundo é dos fortes!
E quem dá o “flanco”, mais tarde ou mais cedo: É a morte do artista. Simplesmente, é posto de lado.
Só que, como diz um grande amigo meu, “anda tudo ao mesmo”. Ninguém assume, mas a virtualidade está instalada, com maior ou menor dimensão, em fundo de prata ou dourado, tudo o que criticamos também o vivemos.
A grande diferença está: “comigo não! Mas sei de casos...” ou “As pessoas não pensam, julgam que podem...” ou, ainda, “Metem-se no crédito, compram tudo e depois...”.
Que Bi-Nojo!
Esta é a grande causa da crise estrutural que transversalmente se instalou na Terra Estranha. Agora está implícito que:
1)O que consumimos, é o nosso cartão-de-visita.
2)Como consumimos, é o “telhado de vidro ao qual todos querem atirar pedras”.
3)A ostentação, a futilidade e o egoísmo, é o ex-líbris de qualquer animal da Terra Estranha que se preze.
E onde ficam os conceitos como a amizade, o amor, o respeito pelo próximo, o gostar verdadeiramente da pessoa, ou do que for, pelo que efectivamente É e não pelo que aparentemente É?
Estou a exagerar?
Talvez, já agora, a título de exemplo, vou parafrasear um outro amigo meu que, numa simples frase, caricatura o cerne desta questão:
“Mais vale cair em graça do que ser engraçado”
Não temos de Ser, temos de Parecer!
No fundo, a falsidade e a vulgaridade estão na ordem do dia, o egoísmo instalou-se. O Pragmatismo é Lei e o mais importante é: “Saber Viver”.
O triste é que quem fizer O contrário paga O preço. As pessoas deixam de lhe falar, supostos amigos afastam-se, acabam-se as promoções e os prémios no trabalho, aparece o divórcio (esta dói, não é? Há muitos e muitos casos de pessoas que vivem umas com as outras, constroem famílias, filhos e tal, só porque um deles Pode Proporcionar Uma Vida Mais “Atraente” – Lindo! É uma outra forma de prostituição).
É o viver: “no faz de conta”!
A contradição de tudo isto, é que, às duas por três, já não sabemos verdadeiramente quem somos.