Quarta-feira, 4 de Maio de 2011

Portugal e a Crise

Saudações a todos(as)

 

Estavam com saudades? Como dizem os americanos, “long time, no see” e, por culpa nossa, este espaço de escárnio e maldizer tem andado um pouco abandonado...

 

Durante o seu período de maior actividade, eu e os meus comparsas de escrita fomos aqui colocando artigos acerca do país e dos seus magníficos habitantes. Alguns comentários que recebemos indicavam que nós éramos uns exagerados, uns urubus depenados que apenas viam o lado negro do país que, segundo eles, ía de vento em popa.

 

Passados cerca de dois anos verificámos que afinal tínhamos razão, que o abismo existia e que nos encaminhávamos para ele mas enfim, diz a populaça que “águas passadas não movem moinhos” e nós não queremos receber nenhum prémio… mas dá um cerco gozo podermos dizer: “Nós avisámos, meus marotos!”

 

A realidade é que a Terra Estranha está falida! Não vamos estar com desculpas, meias palavras, ou linguagem politicamente correcta: Estamos tesos! Sem cheta! Não há carcanhol!

 

Quem lê os principais jornais europeus, encontra uma coisa comum ao teor das notícias: o desprezo por este país de chulos profissionais. A maioria dos Europeus, apesar da necessidade de solidariedade, sentem-se incomodados pelo facto de saberem que a ajuda é, na essência, deitar dinheiro fora. O sentimento crescente é que Portugal desperdiça(ou) as oportunidades que lhe dão. Se repararmos bem, desde que a Terra Estranha entrou na então CEE, entraram neste território milhares de milhões de contos (primeiro) e de Euros (depois). Todos os anos, desde o tempo de Cavaco, recebemos dinheiro. Vivemos durante os últimos 25 anos de mão estendida, como meros pelintras europeus. Fomos avisados que a “torneira” ía fechar mas ignoramos e o resultado está bem presente hoje.

 

Em nome da pedincha recebemos dinheiro para destruir a industria, as pescas, a agricultura; depois pedimos mais dinheiro para plantar o que havíamos destruído, construir os barcos afundados e projectar novas fábricas que havíamos fechado. A filosofia foi sempre a mesma: pede um subsídio e não importa se a vulnerabilidade do país se tornava crítica.

 

Nem, sequer, se tratou de uma viragem mais ou menos liberal, mais ou menos à esquerda, o objectivo foi sempre o mesmo: pede dinheiro! Vive à conta dos outros!

 

Séculos de proxenetismo institucionalizado e visões sem estratégia levaram a uma debilitada sociedade, em estado de permanente anestesia face ao status quo uma vez que o esforço de sobrevivência diária é atroz.

 

E depois, para cúmulo do ridículo, ouvimos sempre as mesmas fórmulas para o sucesso da tugolândia: produtividade, exportações, reformas estruturais, trabalho!

 

Desmistifiquemos alguns destes lugares comuns:

 

- Produtividade: de uma vez convinha esclarecer e definir com exactidão o que estes economistas entendem por produtividade. Em primeiro lugar, o trabalhador português (e atenção que não estou a falar dos quadros superiores… isso é outra história) é reconhecido na Europa como dos que mais trabalha. Horas e horas de trabalho, a baixo salário, com equipamento desadequado, em muitas profissões sem qualquer preocupação de segurança e sem qualquer tipo de estabilidade. É evidente que se incluirmos os funcionários públicos nestas estatísticas a produtividade cai a pique. Em segundo lugar será que estão a misturar produtividade com preço final? É que se for assim, com os salários pagos na Europa, os desgraçados ainda têm uma produtividade menor que a nossa!

Mas será que produtividade está relacionada com o output produtivo? Se assim for então são os patrões que têm de investir em máquinas novas, mais rápidas, modernas e eficazes e aí o problema da produtividade não é do trabalhador mas da chefia. E aqui chegamos a um outro problema – totalmente distinto e muito mais preocupante – que é o tipo de liderança exercidaem Portugal. Acultura predominante é que o chefe manda mas… a responsabilidade é do funcionário. O exemplo, cá, nunca parte de cima e aquilo que deveria ser da esfera de responsabilidade do chefe, é transferido para o trabalhador sem que este saiba que assim é. É exigido, ao funcionário, que actue consoante o chefe acha que é melhor para salvaguarda do suposto líder, mas sem que qualquer informação seja transmitida. Mais grave, as estratégias definidas não são a médio ou longo prazo. São para o imediato! O chefe, que chega sempre tarde ao seu posto de trabalho, espera naturalmente que o funcionário resolva qualquer tipo de situação, mesmo que esta pressuponha um grau de decisão que só ele, chefe, detém. Para além disso, o chefe nunca assume a sua palavra. Esta depende como ele poderá capitalizar a seu favor os resultados alcançados. Se corre bem, é ele chefe português, que definiu e decidiu; se, por outro lado, corre mal, a responsabilidade é do funcionário que agiu sem instruções e sem o devido zelo.

A produtividade europeia não tem nenhum segredo divino: assenta numa premissa simples. O grau de responsabilidade e responsabilização é tanto maior quanto mais elevado é o posto na hierarquia. Na Terra Estranha assistimos à total inversão deste pressuposto. Os portugueses trabalham horas incomensuráveis totalmente desperdiçadas porque não existe uma definição clara de estratégia ou de rumo. Num dia é tudo para a esquerda, mas se for necessário, no dia seguinte é tudo para a direita. Na sequência da nossa história, em termos de estratégia empresarial e de mercado, continuamos a “navegar à vista”!

Produtividade pressupõe organização das empresas; responsabilidades claramente atribuídas; equipamento moderno; estratégias definidas; objectivos alcançáveis e não ilusórios; consciência da capacidade de produção das empresas e receptividade do mercado; redes de logística e distribuição perfeitamente definidas; atribuição de recursos de acordo com a importância interna de cada departamento e não da posição hierárquica; respeito pelo trabalhador, entre outros… e não do número de horas que o trabalhador consome no seu posto de trabalho nem do grau de servilismo demonstrado. Não se produz por decreto, produz-se por eficácia… e nesse aspecto as empresas portuguesas são meras organizações de amadores que adoram usar a expressão “foi por carolice que…”! Não há carolice para o futuro; carolice tiveram os nossos navegadores nos séculos XV e XVI.

 

- Exportações: Alguém que me explique uma coisa simples… se não temos agricultura (recebemos subsídios para a destruir e nunca modernizámos a nossa produção agrícola); se não temos pescas (recebemos subsídios para destruir as embarcações velhas mas nunca modernizámos a frota pesqueira); se não temos indústria (recebemos subsídios para fechar sectores produtivos antiquados e sem mercado mas nunca procuramos novos produtos, novos mercados ou novas soluções)… como é que vamos exportar? Só se for por Decreto e estes têm a validade que têm, ou seja, papel higiénico. Que exporta hoje Portugal?

a) Carros: produzidos em empresas estrangeiras, cuja permanência em Portugal é constantemente posta em causa por ofertas mais competitivas de outros países da União Europeia e da Ásia. Ou seja, o risco é enorme.

b) Cortiça: boa parte da indústria de vinhos de outros países, muito mais agressivos comercialmente têm substituído as tradicionais rolhas por outras de plástico, mais baratas e mais facilmente produzidas. Para além disso, o consumidor normal de vinhos não nota qualquer diferença de paladar ficando essas minudências apenas para os connaisseurs e debates prosaico-filosóficos entre bêbados depois de 4 garrafas de tintol carrascão de segunda, servidas em cristal num restaurante de 5 estrelas Michelin.

c) Magalhães: bom… se o Chávez pagar os computadores que levou até poderia ser engraçado mas lamento informar que esse mercado será tomado pelos países da Ásia quando estes assim o quiserem.

d) Combustíveis: aqui “apenas” temos de comprar a matéria-prima para refinar o que não faz muito sentido, neste sector, olhar as exportações e tentar esconder as importações… digo eu mas se calhar estive numa prova de vinhos com rolhas de plástico e nem dei por isso.

e) Têxteis: existem algumas – poucas – empresas que descobriram que se apostarem na qualidade, design, novas técnicas produtivas e aposta na conquista de novos mercados com investimento em actividade comercial e criação de marcas até vendem… de facto, deve ter sido um espanto essa constatação. Afinal o sector têxtil, durante anos esteve informado acerca da liberalização do mercado europeu e abertura à China e Índia e ficou sentado a ver os catálogos da Ferrari, tudo em nome da produtividade.

f) Calçado: igual ao ponto e)

g) os famosos Vinhos: uma boa parte dos mercados são fornecidos por novos países produtores (Argentina, Califórnia, Chile, Austrália) a custo mais baixo e também eles com qualidade. Temos fama… mas não temos mercado, o que é sempre útil para promover as exportações!

h) os “modernos” Software: quem ouve a propaganda do governo, Portugal tornou-se o éden da informática e o silicon valley da Europa… bem, eu acho que é mais silly-cona, mas sou muito má-lingua. E depois raciocinemos: uma empresa de software tem, em média pouco mais de uma dezena de funcionários, nerds e geeks, que criam um programa para digamos, contabilizar o papel higiénico, vendem para o mundo inteiro e ganham dinheiro… e depois vão contratar mecânicos? Electricistas? Arquitectos? Advogados? Serralheiros? Nada disso, vão contratar mais um nerd e dois geeks – na melhor das hipóteses.

Existem mais alguns produtos exportáveis, mas pouco mais, como a pasta de papel, o que não dá sustentação sólida para aumentar as exportações, criar mais empresas e diminuir o desemprego.

 

- Reformas Estruturais: desde o tempo da primavera marcelista que ouvimos esta lenga-lenga e que reformas foram feitas? O estado continua a ser o único motor da Terra Estranha, a Função Pública o maior empregador do país, usufruindo de privilégios e regalias que não existem em mais lado nenhum do mundo civilizado. Não há regionalização, flexibilidade, desburocratização e a solução é sempre a mesma, contracção dos salários – logo aniquilação do mercado interno – e aumento de impostos – logo aniquilação do mercado interno. Se se mantém este quadro – e não é apenas de agora, ele é mais antigo – como podemos esperar crescer ou modernizar? E nem quero tecer considerações acerca da mentalidade do tuga… isso dava para uma obra enciclopédica!

 

- Trabalho: o paradigma da politiquice da Terra Estranha. O que é este conceito neste triste a acabrunhado País? É a aceitação tácita da palavra da chefia? É a assumpção da responsabilidade, mesmo quando esta é, em ultima análise, da chefia? É trabalhar mais horas ainda, fazendo um pouco de tudo para tapar “buracos” criados por despedimentos aleatórios e exagerados que apenas serviram para a manutenção de índices de crescimento (preferencialmente a dois dígitos)? É a redução do custo de unidade produzida? Nesta Terra Estranha nunca se sabe o que é exactamente o trabalho. Quando pesquisamos na Internet, somos confrontados com o conceito da física que nos diz, muito sucintamente, o seguinte:

 

“Em física, trabalho (normalmente representado por W, do inglês work, ou pela letra grega tau) é uma medida da energia transferida pela aplicação de uma força ao longo de um deslocamento.

O trabalho de uma força F aplicada ao longo de um caminho C pode ser calculada de forma geral através da seguinte integral de linha:

 

onde:

F é o vector força.

r é o vector deslocamento.

O trabalho é um número real, que pode ser positivo ou negativo. Quando a força actua no sentido do deslocamento, o trabalho é positivo, isto é, existe energia sendo acrescentada ao corpo ou sistema. O contrário também é verdadeiro, uma força no sentido oposto ao deslocamento retira energia do corpo ou sistema. Qual tipo de energia, se energia cinética ou energia potencial, depende do sistema em consideração.”

 

Pelo acima, verificamos que existe um pressuposto de deslocamento (ou crescimento se quisermos aplicar às organizações), de estratégia definida e objectivos alcançáveis e a introdução de energia, no mesmo sentido de deslocamento. O problema português é – e creio que infelizmente será sempre – a falta de uma definição clara do que é exequível e a percepção que o input do funcionário é no sentido correcto. Mas se não é, a que se deve? Bem, a mim parece-me simples:

- Em primeiro lugar porque além de umas banalidades e generalidades, apresentadas sob o capítulo “A Nossa Missão”, em cartaz de bonita impressão nas recepções das empresas, não existe uma estratégia definida. Generaliza-se com chavões como crescimento, internacionalização, mercado mas nada mais;

- Em segundo lugar, a informação não flúi. Os quadros dirigentes não falam para baixo, enviam uns comunicados – pobres de conteúdo e do próprio português – marcam umas supostas reuniões de esclarecimentos e não aceitam sugestões. A informação, numa organização TEM de ser bi-direccional e nunca num único sentido (ascendente). Normalmente pedem-se relatórios cuja utilidade nunca é explicada… se é que tem utilidade;

- Em terceiro lugar, os recursos alocados a uma determinada tarefa são avaliados pela satisfação ou não das necessidades dos quadros dirigentes. Um exemplo concreto: se, para uma determinada função são necessários dois funcionários, o chefe determina que um computador substitui um deles (e assim pode apresentar uma poupança significativa no relatório anual, com vista ao prémio que irá receber). Pode até ser e é razoável este pressuposto. O que não é razoável é que o chefe – que não vai desempenhar essa função – recebe um computador último modelo, mais rápido e de maior capacidade e transfere o seu equipamento ultrapassado para o subordinado que vai desempenhar essa função. O chefe continua a fazer o que antes fazia com o computador obsoleto e que estava adequado, o funcionário tem de usar um equipamento obsoleto para desempenhar as funções mais exigentes

 

Não defendo uma visão ou postura de socialismo ou comunismo na questão da conceptual da distribuição de rendimentos ou de mais valias… detesto essas coisas de esquerda. Defendo, isso sim, uma visão de equidade entre as partes e de uma distribuição acertada de responsabilidades, de alocação de recursos, de informação e comunicação e de clarificação de regras. Enquanto isso não acontecer, na Terra Estranha, nunca iremos conseguir sair do buraco em que alegremente entramos por tanta pedinchice.

 

Choca-me a destruição de recursos, o esbanjar de capacidades e a mentira fácil politiquenta, tal como me choca o eterno desculpar perpetuado pela população à actuação da classe política portuguesa. O “eles são assim…” ou “…mas não podemos fazer nada…” representa um fatalismo colectivo, castrador de qualquer sociedade dinâmica, e uma aceitação tácita da corrupção, do facilitismo, do favorecimento, do embrutecimento social, da destruição daquilo que nos é mais querido. O português adora dizer, no café enquanto bebe uma mini e depois de debater o Vila-Franquense – Atlético de Coruche, “É pá, eu estive ontem com o chefe das finanças e o gajo deu-me uma ajudinha…” ou, em classes mais finas, “Ontem o Sub-Secretário de Estado esteve em minha casa a jantar e deu-me o contacto do Ministro para agilizar o meu negócio…”

 

É triste… mas vivemos de aparências, vaidades e ilusões. Criamos mundos ilusórios de bem-estar, de auto-importância em função de supostas redes de conhecimentos, deixando de olhar para um país pobre, embrutecido, anestesiado, minado por corrupção, sem soluções nem alternativas, que uma e outra vez aceita, tácita e complacentemente, os ditames dos mesmos indivíduos pardacentos que se contradizem a cada 15 dias e que, despudoradamente, afirmam que nunca afirmaram o que está escarrapachado nos jornais ou registado em gravações de som e/ou imagem.

 

Por hoje chega, tentarei ser mais sucinto na próxima vez… e mais frequente na participação também!

 

MS

publicado por GERAL às 14:43
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