Sexta-feira, 12 de Junho de 2009

O país de betão

Ora bom dia, tarde ou noite, dependendo da hora em que tiver paciência para ler este post.

 

Hoje vou falar de betão. Lembram-se daquele anúncio duma pasta dentífrica qualquer em que no final o homem dizia que tinha uns dentes de betão? Não é só o homem que tinha uns dentes de betão que aparentemente faziam com que pudesse mastigar alimentos por mais duros que eles fossem.

 

Portugal é também hoje em dia um país de betão. E betão rima com construção. Nomeadamente aquela construção desordenada que se vê em todo o país, cidades do litoral à cabeça.

 

Não resistirei mais tarde a fazer um comparativo com o que lá de fora se passa. E vou e devo comparar países que de uma maneira ou outra seriam ou deveriam ser comparáveis ao nosso. Por isso não vou comparar Portugal com Moçambique, Angola, Marrocos, Afeganistão ou a Coreia do Norte (se é que há alguém que conhece este último).

 

Vou comparar Portugal a este nível com países da sua área geográfica / social. Nomeadamente com outros países da Europa. E quando fizer essa comparação, para além dos níveis de pobreza serem maiores cá do que nesses outros países, para além dos serviços médicos serem piores, para além da educação ser uma fantochada tal que é necessário haver alunos ucranianos que em Portugal invariávelmente são aqueles que têm as melhores notas, podemos orgulharmo-nos que no betão ninguém nos bate.

 

Vejam-se os casos de Lisboa e seus arredores, do Porto e seus arredores, ou ainda do Algarve inteiro. Vejam-se os casos típicos do Cacém, de Ranholas (dassss...só ter um nome assim...), de Almada, da Póvoa de Sta Iria entre muitos outros no que se refere a Lisboa Ou da Maia, de Gaia, Gondomar entre outros no Porto. De Armação de Pêra, da Praia da Rocha ou de Quarteira no Algarve.

 

E depois de se verem esses casos entre tantos outros em Portugal, quem se arrisca a dizer que são lugares próprios para se viver? Eu por mim falo, eu que até tive a muita sorte de estar a viver num bairro com boas condições. Mas se estivesse a viver em Ranholas, a tendência para a depressão seria muita.

 

E toda esta betonização porquê? Porque nunca houve um verdadeiro plano de organização do território tanto a nível nacional como a nível autárquico.

 

As autarquias estão dependentes dos construtores, que com o seu gosto a pato-bravo, fazem prédios azuis e de 2 andares atrás de prédios amarelos com 5. À frente deste erguem-se outros prédios, uns rosa, outros a cair de podre, todos eles num emaranhado de estradecas e de rotundas que foi a ultima descoberta destes portugueses com ampla visão para a arquitectura urbana.

 

E veja-se o dinheiro que entretanto se gastou nas chamadas infra-estruturas de base como as auto-estradas, pondo Portugal como um país de primeiríssima classe no que a isso se refere, só sendo suplantado a nível europeu por países como a França. O nosso sistema de auto-estradas é do melhor que há, dizem os governantes. Pois é. Do melhor no que se refere a extensão, do pior no que se refere a bom senso, havendo auto-estradas em paralelo distando poucos quilómetros uma da outra (casos da A1 e da A8) ou ainda auto-estradas que servem localidades de grande área populacional como a Figueira da Foz.

 

Voltemos aos prédios e ao seu betão. Voltemos aos patos bravo que tornaram este país, frondoso na sua natureza, antes de ter sido estragado pela inépcia e mau gosto da maioria dos construtores, pela gula de autarcas e de governantes, pela aceitação generalizada do povinho pelos abortos arquitectónicos que se fazem.

 

Querem exemplo maior do que é hoje em dia o espaço da Expo 98? Sim, eu sei que até à construção da Expo, aquilo era um espaço merdoso, com o rio Trancão a ser vulgarmente chamado de rio do cagalhão. Mas sei também que havia um plano de arquitectura sustentada que faria o espaço da Expo 98 um dos melhores, senão o melhor espaço de Lisboa. Com poucos mas bons edifícios de escritórios, com hotéis de classe, com espaços de restaurantes agradáveis, com praças sem carros, com espaços verdes por toda a zona. O que vemos hoje? Casas mal construídas, especulação imobiliária que foi um autêntico tiro pela culatra daqueles que pensavam que compravam a 1000 e vendiam logo de seguida a 2000 (convido-vos a passarem pela zona da Expo e contarem os anúncios de "vende-se" que por lá andam. E vejam no que se transformou a zona da Expo com centenas de prédios de betão, a maioria mal construídos e com preços elevadíssimos.

 

Culpa disto - É de todos. Das autarquias em primeiro lugar, por não terem um mínimo de bom gosto nos projectos de arquitectura ou de construção, e pela sua dependência económica face a firmas de construção civil  já para nem falar em corrupção (palavra que parece proibida nestes meandros)  . Dos construtores, empreiteiros e outros raios que o partam que só vêem dinheiro sem se preocuparem com o aspecto e enquadramento que as suas construções terão no espaço onde constroem, e também de nós por aceitarmos tudo, e por não termos nenhum conceito de beleza, de enquadramento, de paisagismo.

 

Entretanto vai-se construíndo mais e mais.E cada vez pior. Ele é prédios verdes, ele é prédios com 10 andares ao lado de vivendas, mas claro, todos eles com acabamentos do melhor, cozinhas inteligentes e jacuzzi. Condomínios privados, apartamentos com vista para o rio, para o mar ou para as janelas dos vizinhos. O que importa é construir. Betonizar. Num país com pouco menos de 11 milhões de pessoas onde as casas devolutas já ultrapassaram em muito o meio milhão. Onde a recuperação de bairros históricos não é primordial face a uma qualquer construção de um centro comercial que há-de sempre ser o maior da Europa (é nisso e nas auto-estradas que somos mesmo bons).

 

E voltemos então à comparação, a este nível com outros países da Europa. Basta sobrevoar num avião um qualquer país da Europa para ver que as coisas são diferentes para melhor. Basta ver que há ordenamento, e que ninguém, nenhum governante permitiria que numa aldeia, vila ou cidade com determinado formato, alguém  se intrometesse com construções que transfigurariam essas populações em ...cidades à portuguesa. Os patos-bravo lá naõ existem. Ou se existem piam e voam fininho e baixinho. Ou então emigram para Portugal para estamparem-nos com as suas aberrações arquitéctonicas.

 

Exagero? Talvez o meu conceito de beleza, de enquadramento paisagístico ou até de simplicidade não seja o de muitos. Talvez não seja mesmo correcto, e são os alarves europeus lá de fora (começando já em Espanha) que com as suas cidades, vilas e aldeias ordenadas, com os seus parques programados e acessíveis a toda a população, com um bom enquadramento entre aquilo que devem ser ligações (auto-estradas) principais às secundárias, estão todos errados.

 

Talvez eu exagere quando vou ao Algarve, vejo Armação de Pêra e apetece-me vomitar.

 

Talvez.

 

Saudações arquitectónicas

JLM

publicado por GERAL às 11:47
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2 comentários:
De RdS a 10 de Setembro de 2009 às 12:08
Do betão ao Ca...lhão...

Concordo com tudo.

As infraestruturas são importantes, mas nós já estamos a exagerar, acho que já somos o 2º país da UE com mais KMs de autoestradas.

Até seria bom se as estradas que fazemos durassem um pouco mais. Normalmente, ao fim de 5 meses de uso, não muito intensivo, diga-se de passagem, lá começam as reparações e o re-alcatroamentos, etc...

Já não falando nas casas... ninguém diria que há crise no sector imobiliário! São tantas e em tantos lugares as novas construções...

Quanto ao ordenamento do território?

Acho que essa palavra e respectiva definição foi banida do no léxico.

Um abraço,
RdS
De AmSilva a 25 de Janeiro de 2011 às 16:23
Por acaso, mas mesmo só por acaso acho que deveríamos comparar, ou melhor ainda, seguir o exemplo de Espanha ou dos países nórdicos...
Aumentaria a qualidade de vida!
No caso das autoestradas.... é interessante ver duas a poucos km's, não só a A1 e a A8, mas sim A1 / A17 e ainda A29 / A1 ...sendo que penso, que seja o estado a fazer concorrência á privada, fazendo as contas, compensa mais viajar na A1 (Brisa) que nas ditas ex-scuts (Estado)... paga-se menos pelo mesmos!!
Quanto ao sector imobiliário .... recuperem ou deitem abaixo, não deixem cair!
Não vendem por menos, mas deixam cair e depois ou vendem ainda mais barato, ou fica lá sempre o "mono"...

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